MONUMENTO EX COMBATENTES

Cassiano Gameiro
MEMORIAS DE UM COMBATENTE

(Espaço reservado ao Combatente)
CART 6554 E SEU PERCURSO COMO NASCEU A CART 6554
Em Outubro de 1973, no Regimento de Artilharia Ligeira em Penafiel, chegavam os
primeiros soldados, vindos de vários quartéis, para formar a nossa Companhia,
que ficou denominada CART 6554.
Fizemos a especialidade e a semana de campo em Penafiel, aí já estávamos
mobilizados para Angola, estivemos em Penafiel até Dezembro de 1973.
Não posso esquecer, como nasceu o nosso crachá e estandarte, cujo os mentores
foram o Sr. Comandante da Companhia Capitão Martins e o Furriel Madureira,
estes bem conhecedores da tarefa árdua que o grupo viria a ter na guerra
colonial quiseram criar uma mente forte a cada elemento da companhia, assim
deram o nome ao crachá " OS INTEMERATOS" ao centro a caricatura de um
guerreiro.
Este crachá e estandarte acompanharam para todos os locais por onde a companhia
passou, assim como nos encontros que se realizam anualmente em diversas zonas
do País o crachá é oferecido a cada militar que se orgulha de o colocar no
peito como fazia ao longo da sua missão na guerra colonial.
Em Janeiro de 1974 fomos para o quartel de Silvalde - Espinho, conhecida por
"Carreira de Tiro de Espinho", para fazer a Instrução Operacional
conhecido por (I.O.) ocorreu em Cortegaça e Esmoriz.
A instrução foi muito dura, porque se situou em zona de areia, mato e pinhal, o
alojamento foi em pequenas tendas individuais, a alimentação de má qualidade,
como era época de inverno fomos fustigados com chuva, vento, e muito frio,
foram dois meses de muito sofrimento.
No dia 11 de Março de 1974, no Apeadeiro de Silvalde, embarcamos num comboio
especial com destino a Lisboa Santa Apolónia, este percurso demorou cerca de 8
horas, junto à estação estavam várias viaturas militares conhecidas por
"Berliet Tramagal", que nos levaram até ao Aeroporto de Figo Maduro.
Cerca das 23 horas partimos num avião, boeing 737 da Tap, com destino a Luanda,
Angola, assim terminou o nosso percurso formativo em Portugal.
O NOSSO PERCURSO EM ANGOLA
No dia 12 de Março de 1974 pelas 08 horas, chegamos ao aeroporto de Luanda, à
nossa espera já se encontravam viaturas militares que nos levaram para uma base
militar, local de recolha de tropas em movimento, conhecido por quartel militar
do Grafanil, em Luanda, o tempo que permanecemos neste quartel foram os dias
mais sofridos e tristes da minha vida, já não bastava a distância e ausência
familiar, fomos ainda encontrar um espaço sem condições de higiene e humanas,
as camaratas eram espaços improvisados com cobertura fértil ao calor, durante a
noite éramos invadidos por mosquitos que picavam nosso corpo, o espaço onde as
refeições eram servidas, conhecido por refeitório, via-se a gordura nas mesas,
no chão, moscas por todo o lado e o cheiro era nauseabundo.
Neste quartel permanecemos até ao dia 18 de Março de 1974 e a nós se juntaram
cerca de 40-militares africanos, que se mantiveram ligados à nossa Companhia
durante todo o percurso até regressarmos a Luanda, no mesmo dia em coluna
militar iniciamos viagem com destino à localidade de Mussuco, que se situa no
Leste de Angola, fizemos uma paragem em Salazar e pernoitamos em Malanje. No
dia seguinte, novamente em viaturas militares continuamos a viagem, passando
por Kuango, Cafunfo, Loremo, até Mussuco.
Nesta localidade fomos recebidos pelo povo africano em festa, dando-nos as boas
vindas e felizes pela nossas chegada.
À nossa espera para ser rendida estava uma companhia C. CAC 3511, militares
Açorianos, que festejavam o seu regresso a Portugal e ás famílias, em contraste
estávamos nós por saber que teríamos uma missão de alto risco e longa.
No Mussuco havia um colégio Missão Católica, frequentado por religiosas, um
missionário e um padre, estes além de ministrar a doutrina cristão, ainda
ajudavam o povo africano que muita dificuldade tinha para se organizarem
sozinhos.
Durante o tempo que nesta localidade estivemos a nossa missão foi fazer
patrulhamento ás matas afastar o inimigo das populações mais próximas e manter
o aquartelamento sempre vigiado dia e noite.
Em 25 de Abril de 1974, ocorreu um golpe de estado em Lisboa, foi formado um
Governo provisório e a mensagem que nos fizeram chegar foi que a guerra do
Ultramar havia acabado, que aqueles países iriam ser entregues aos movimentos
que combatiam contra nós.
Assim fomos instruídos que parasse-mos os patrulhamentos e fossemos em missão
junto de todas as populações dando-lhes a noticia de que futuramente seriam
independentes e governados por um governo formado por Angolanos, nessa missão
enquanto os militares conhecidos por atiradores davam a noticia eram
acompanhados por enfermeiros que prestavam os primeiros socorros a pessoas que
padeciam de doenças ou curavam pequenas e grandes feridas, cheguei a avistar
doentes com feridas gravíssimas, por falta de tratamento médico.
Em Dezembro de 1974, fomos mudados para uma unidade militar conhecida por
" Escola Prática de Oficiais" em Nova Lisboa, deram-nos a missão de
patrulhar e impor a ordem e tranquilidade pública naquela cidade, visto que já
haviam rumores de pequenas guerrilhas entre movimentos candidatos a formar
governo.
Em Março de 1975, fomos enviados para a Gabela e Novo Redondo, sendo que um
grupo de homens permaneceram por uns dias em Gabela, os restantes ficaram em
Novo Redondo.
A localidade de Gabela é lindíssima pela beleza do café, o sisal e ainda fértil
em caça grossa, ali chegamos a fazer caçadas de várias espécies de animais de
grande porte.
A cidade de Novo Redondo, era muito bonita, banhada por terra e mar, as praias
e temperatura da água com uma qualidade ímpar, nesta cidade a recordação mais
marcante foi o falecimento num acidente de viação de um nosso colega de Fafe.
Em Maio de 1975, regressamos ao quartel do Grafanil em Luanda, com a missão de
fazer vigilância aos Paióis, esta foi uma missão muito apertada, já que a
escassos quilómetros os partidos lutavam entre si num combate de rua, onde era
visível vários corpos caídos nas ruas por tempo indeterminado sem segurança
mínima para os poder levantar. No dia 29 de Junho de 1975, depois de vários adiamentos
chegou ao fim o nosso sofrimento e nossa ansiedade, a viagem foi feita de dia
chegamos ao final da tarde a Lisboa, mas ainda com tempo para fazermos o
velhinho e conhecido espólio (entrega de roupas militares). Adeus Luanda!!!
Muitas recordações, muitos momentos de dor e sofrimento, momentos de
conhecimento e divertimento, cada um de nos guarda como um diário, que nos
acompanhou durante aqueles meses, e continua a acompanhar ao longo da vida.
Eu só vou enumerar duas, muitas mais tinha para recordar, que foi o tempo a que
fomos sujeitos a comer massa quando chegamos ao Mussuco, não havia mais nada a
não ser ração de combate. Outra foi na véspera de Natal de 1974, em Nova Lisboa
tínhamos como refeição especial "carapau cozido com batatas",
custa-me ver como são hoje camuflados esses tempos, ignorando, escamoteando aos
jovens de hoje que houveram jovens noutras gerações anteriores que foram
sujeitos a esta Guerra, que afinal não era a sua e que alguns deles deram a
própria vida, eram pura e simplesmente obrigados a este sofrimento ou como
alternativa tinham que fugir do seu País.
(Texto: José Andrade)